Há um ou dois anos atrás, comecei a notar uma coisa muito estranha acontecendo com meu carro; uma superstição, ou como você quiser chamá-lo. Quando eu estava no banco do motorista, sempre verificava se havia alguém nos bancos de trás, embora apenas à noite (meu trabalho normalmente terminava em diferentes horas da noite). Muitas pessoas fazem isso, provavelmente por causa de histórias como "O Gancho", aquela sobre o motorista de caminhão piscando suas luzes para uma mulher desconhecida, sem motivo alguem. Mas, eu tinha uma boa razão para isso, e, assim como as lendas, tudo começou com uma história.
De volta quando eu estava no grupo de escoteiros, todas as crianças contavam lendas urbanas, tentando assustar os nossos amigos. Mas as melhores histórias vinham de nossos pais. Talvez porque os ouvimos mais atenciosamente, ou porque eles estiveram vivos por tempo o suficiente para saber como cativar um público. Ou, pode ter sido porque sempre havia alguma verdade (mesmo que às vezes somente uma pequena pitada de verdade), para fazer com que tudo aquilo soasse muito real para crianças como nós.
Eu me lembro de uma vez que estávamos acampados muito tarde na floresta. Minha tropa estava se preparando para uma "corrida de revezamento de inverno." Foi somente depois que eles nos disseram para irmos pra cama, que eu abri meu saco de dormir apenas o suficiente para ouvir o que o meu pai estava dizendo para os pais de meus colegas escoteiros. A história se passava quando meu pai ainda trabalhava no Hospital Beth Israel, na década de setenta. Ele estava contando sobre uma sala de queimaduras que havia lá; ele se lembra de ter visto algumas celebridades por lá, famosos até mesmo fora da área de Boston. Ele descreveu que, quando sua pele arde no fogo, ela deixa de agir como pele, e passa a agir mais como uma espécie se “substância cerâmica”. A parte mais assustadora era olhar as fotos das vítimas da maneira como eles eram antes, e como haviam ficado depois das queimaduras. Era especialmente assustador olhar para as celebridades quando você já sabia suas aparências anteriores às queimaduras.
Meu pai só falava sobre aquela sala de queimaduras com os outros pais. Eu nunca ousei perguntar a ele, com medo de talvez levar um tapa na cabeça por ficar acordado até tarde. De qualquer maneira, todos nós ficávamos até tarde para ouvir as histórias mais assustadoras de todos eles. Havia três atributos dessas histórias que eu me lembro: Primeiro, ele só contava as histórias da sala de queimaduras quando estava frio (aquele frio comum da Nova Inglaterra, onde você podia sentir o cheiro da neve que vinha). Frio o suficiente para ver nossas respirações, mas não a ponto de precisarmos cancelar nossos acampamentos. Em segundo lugar, os olhos dos pacientes, o que a maioria das pessoas não pensam. Para elas, os olhos são basicamente “colados”, pela pele que escorre para fora e se reconstrói na base das pálpebras. Às vezes, os médicos tentam erguer as pálpebras para abri-las, mas na maioria das vezes, seus olhos literalmente “explodem”.
E a terceira coisa que meu pai mais conseguia lembrar, não era o cabelo ou os olhos, mas sim suas unhas. Suas mãos eram as únicas coisas que ele tinha que tocar, na distribuição de medicamentos. A verdade, é que as células que formam as unhas nunca são reformadas corretamente depois de estar sob calor o suficiente para dar queimaduras de terceiro grau em todo o corpo, mesmo depois de se curar. A integridade das unhas fica fraca e frágil, mesmo depois de anos e anos da recuperação do resto do corpo da vítima. Meu pai disse que quando ele limpava a sala, ele encontrava dezenas e centenas de unhas quebradiças que compunham o lixo no chão.
Agora, de volta à minha superstição antes de começar a explicar minha história. Ultimamente, tenho encontrado unhas nos meus bancos traseiros mais e mais vezes. As unhas, obviamente, vinham de um ser humano, mas tinha certeza de que não vinham de mim. A primeira coisa que eu pensei foram meus clientes; tenho trabalhado em uma facilidade para idosos há cerca de dois meses, e às vezes eu tinha que levar meus clientes no meu carro. No começo, pensei que eles provavelmente estariam agindo preguiçosamente e não os jogando fora, ou simplesmente queriam deixar uma bagunça nojenta como um meio de conseguir um aumento infantil das pessoas.
Isto é, até o dia em que fui pouco cuidadoso, e vi alguém tentando abrir a porta de trás do carro. Estava escuro, e quando gritei para ele, ele olhou para mim e imediatamente fugiu em direção a floresta. Eu gostaria de poder dizer que não consegui dar uma boa olhada em seu rosto. Afinal, foi isso que eu disse para a polícia quando contei sobre a invasão. Mas eu vi o seu rosto, se é que você poderia chamá-lo de rosto. É difícil explicar agora, apesar de conseguir vê-lo claramente em minha cabeça. O rosto não é difícil de descrever por causa de meu medo na hora, mas sim, por causa das graves queimaduras no homem.
Ele não tinha orelhas, nem olhos, nada além de uma boca aberta, uma boca que parecia desproporcionalmente grande para o resto de sua cabeça, provavelmente porque era a única coisa que dava algum contexto natural ao homem (ou coisa). Apesar disso, a boca era o suficiente para expressar o medo do homem; o medo, ao tomar conhecimento que eu havia interrompido seus planos. Todo mundo já ouviu essas histórias assustadoras sobre o homem com um gancho, ou sobre o motorista do caminhão piscando suas luzes sem motivo aparente. Essas histórias ainda se espalham para todas as novas gerações de motoristas. Antes deste incidente, eu provavelmente riria delas, assim como você. Não precisa necessariamente de um homem com uma faca para fazer com que alguma pessoa comece a olhar atrás de suas costas, assustada. No meu caso, só me bastou uma visita à ala de queimados do Hospital Beth Israel, quando descobri que muitos pacientes estavam desaparecidos...
Cuidado com as unhas.
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