sábado, 1 de junho de 2013

Dead Fred

Eu estava fora de casa até tarde da noite, voltando para casa de um jantar com minha família. Minha caminhada de volta para casa fez com que eu passasse do lado do cemitério local, e com isso, eu decidi visitar o túmulo de um amigo meu recentemente falecido. Foi bastante assustador passar por todas aquelas pedras e árvores escuras no meio daquele mar de sepulturas, mas mesmo assim, eu queria que pagar meus respeitos a ele.

Se ao menos eu não tivesse feito isso… Se eu tivesse continuado dirigindo naquela noite, chegado em casa e entrado debaixo das cobertas… Mas eu não fiz isso. Eu estava um pouco bêbado da festa, e andar por um cemitério sozinho naquela noite escura e fria se registrava em minha cabeça como uma boa ideia.
Eu finalmente encontrei o túmulo, tropeçando no meio do escuro. Ao encontrar o tumulo, aquela pedra lisa que anunciava a partida de meu amigo, fiquei muito surpreso ao encontrar um CD lá no meio das flores.
O disco não tinha uma etiqueta profissional; era o tipo de CD que você poderia comprar em qualquer lugar, aquele em que se pode queimar e gravar coisas dentro. Estava dentro de uma embalagem quadrada e plana, sem nenhuma escrita sobre o plástico transparente. As únicas palavras foram rabiscadas no autocolante branco do CD. Usando o meu celular para iluminar o CD, eu li as duas palavras rabiscadas lá.
Elas diziam “Dead Fred”.
O que realmente me deixou perplexo foi a caligrafia; era claramente a do meu amigo. Ele costumava ser dono de uma locadora, com centenas de velhas fitas VHS que não podiam mais ser encontradas em qualquer outro lugar. Ele escrevia os títulos dos filmes à mão, e pareciam ser iguaizinhos à do título do disco… E, depois de seu recente suicídio, sua carta havia sido encontrada, coberta com os mesmos rabiscos.
Intrigado, eu me perguntei quem havia deixado aquilo ali. Eu não tinha visto ninguém com aquilo no funeral.
Lágrimas começaram a queimar meus olhos. Eu sentia tanta falta do meu amigo, e este CD deveria ter sido algo muito importante para ele, para estar em seu túmulo deste jeito. Então, por que ele não me disse nada sobre isso? Nós dizíamos tudo um ao outro. Não era certo ele guardar o segredo somente para si mesmo, levando-o para a sepultura.
Como ele ousa me deixar de fora?
Em um ataque bêbado de fúria, eu tirei as lágrimas dos meus olhos e sai do cemitério com o CD nas mãos.
Só mais tarde, quando eu cheguei em casa e já estava colocando o disco em meu computador, percebi que eu havia feito. Eu havia tirado algo da sepultura de meu melhor amigo, algo que eu não sabia nada sobre. Aquilo não era certo; era muito pior do que ele ter guardado segredos de mim.
Amargamente, eu já estava indo tirar o disco antes que os menus e todas aquelas outras frescuras aparecessem na tela quando, inesperadamente, um vídeo se abriu.
Isso me surpreendeu por duas razões: primeiro, porque eu pensava que o CD só tinha imagens, áudios ou arquivos de texto. Nem passou pela minha cabeça que aquilo poderia ser um vídeo. E segundo, porque o computador não me perguntou nada se eu queria abrir o vídeo com tal programa… Ele simplesmente começou a passar.
Era um episódio de Coragem, o Cão Covarde; o desenho favorito de meu amigo. Eu realmente não gostava muito daquele desenho, porque o achava muito perturbado. Eu só havia assistido a primeira temporada, ou algo assim. Então, quando o título “Dead Fred (Fred Morto)” apareceu sombriamente na tela, eu não sabia que havia algo errado. Eu já tinha visto o episódio original “(Fred Esquisitão [Freaky Fred])” com o meu amigo uma vez, e eu achei que esse era apenas mais um episódio estrelado pelo problemático e poético barbeiro.
Enojado comigo mesmo por ter colocado o disco, eu fui fechar o vídeo, apenas para descobrir que o meu cursor do mouse estava congelado. Os botões do teclado também não deram nenhum resultado, então eu relutantemente aumentei o volume de meus alto-falantes e comecei a assistir ao vídeo.
Começou exatamente como “Fred Esquisitão", com Fred no ônibus e Muriel arrumando a colcha amarela sobre a cama. Porem, Fred não estava recitando seu poema; na verdade, não havia aparentemente nenhum som tocando junto com o vídeo.
Eu pensei que aquele era apenas o episódio original, apenas com o título editado, até que eu vi Coragem. O pequeno cão estava olhando pela janela, encarando Fred com uma mistura de medo e malícia em seus olhos.
Coragem se afastou da janela e olhou com raiva para longe… Então ele começou a ter flashbacks. Toda aquela merda que ele sempre teve que aturar, todo o terror, todos os abusos… Agora desabavam.
Coragem estava chorando em seu estilo frenético e animado, enquanto ele corria pelas escadas e para o porão. Ele começou a revirar um baú, lançando vários objetos (uma máscara feia, uma cabeça encolhida, e outros objetos recorrentes do desenho, num estilo perturbador), até que ele puxou uma espingarda de dois canos, lágrimas ainda escorrendo pelo rosto.
Arrastando aquela coisa para o andar de cima, ele se levantou, mirando-a na porta, com sua pequena patinha no enorme gatilho. A música de fundo com tema de aventura começou a tocar, porem, o vídeo ainda estava sem efeitos sonoros.
Muriel então desceu animadamente as escadas (eu imaginei que a campainha havia tocado, como eu não conseguia ouvir nada), girou a maçaneta e abriu a porta para cumprimentar seu sobrinho.
Lá estava Fred, com seu largo sorriso e cabelo bagunçado, parecendo tão esquisito como nunca. Ele abriu a boca para falar, olhou para baixo, e viu Coragem ali, com a espingarda tremendo e mirada para seu peito. Um olhar de choque e medo apareceram no rosto de Fred, antes que um tiro ecoasse pela casa.
E quando eu digo “pela casa”, eu quero dizer a MINHA casa. O tiro era a única coisa com som além da música, e eu caguei um tijolo.
Eu esperava que uma bandeirinha escrito “bang” saísse da arma, mas não... Fred cambaleou e caiu para trás enquanto um sangue de cor vermelho-cereja começou a jorrar de seu peito, pulverizando tudo na sala da casa. Fred caiu no chão, morto. Muriel começou a chorar. Coragem olhava horrorizado para o que ele tinha feito, e então correu para o banheiro no andar de cima. Ele logo foi trancado lá dentro, do jeito que acontece no episódio normal.
Neste ponto, eu estava um pouco chocado. Aquilo era muito perturbador, até mesmo para aquele desenho. Nos próximos minutos, Coragem ficava sentado no chão, aos prantos e com a pele toda manchada de sangue. Então, as palavras começaram a chegar através de meus alto-falantes, baixas e lentamente.
"Olá, novo amigo.”
Coragem olhou pra cima, olhou ao redor e não viu nada.
“Meu nome é Fred.”
Coragem se levantou e virou-se para todos os lados. Ele foi até a janela, tentando descobrir donde vinha aquela voz. Muriel e Estácio puderam ser vistos arrastando o corpo para o caminhão do Estácio, um rastro de sangue escorrendo por trás dele. Muriel ainda estava chorando.
“As palavras que você ouve estão em seu pensamento.”
Coragem se afastou da janela, olhando para a espingarda ao lado dele. Os flashbacks voltaram; todos os chingamentos, todas as vezes que ele arriscou a vida para não receber nenhuma recompensa em troca, todas as coisas horríveis que havia visto. Todas as coisas que Estácio tinha feito com ele, mesmo depois de tudo que ele passara.
“Fred é meu nome neste momento.”
Coragem pegou a arma, equilibrando o cano no peitoril da janela, e mirou para a cabeça de Estácio.
“E você foi muito…”
Coragem apertou o gatilho. Em uma fração de segundo, a cabeça do Estácio explodiu em vários pedaços, junto com uma explosão nojenta de sangue. E ele derrubou o corpo de Fred, e seu próprio corpo caiu em cima dele.
“Cruuuuuueel…”
Muriel gritou silenciosamente. Entretanto, não houve um barulho de um tiro desta vez; o áudio ainda estava mudo, exceto pelo poema assustador.
Enquanto Coragem virava a arma contra sua própria cabeça, eu desesperadamente puxei o cabo da tomada. Eu me levantei, andando pela sala completamente perturbado. A carta de suicídio do meu amigo dizia apenas a palavra “Cruel” dezenas de vezes.
"Olá, meu novo amigo.”
Eu pulei de susto. Pensei ter deixado os alto-falantes ligados, e apenas ter desligado o computador. Porem, o vídeo também havia parado, então aquilo não fazia sentido.
Voltei para desligar os alto-falantes, quando vi que eles já estavam desligados.
“Meu nome é Fred.”
Eu tinha desligado-os após o primeiro tiro de espingarda… Muito antes de ter começado a ouvir o poema.
“As palavras que você ouve estão em seu pensamento.”
Elas estavam na minha cabeça. Estavam na minha cabeça desde que eu comecei a ver esse vídeo. 
Não posso aguentar mais. Estou ficando louco… Ou já enlouqueci, eu suponho… Ou talvez eu tenha apenas ficado muito mal.
Isso é demais pra mim. Eu estou indo agora. Tinha que dizer a alguém, então eu estou te dizendo…
Adeus, meu amigo, pois morto estarei. 
Uma bala em minha cabeça agora eu colocarei. 
Fico feliz que você leu tudo o que eu disse. 
Mas, agora, devo fazer uma coisa muito…
Cruuuuueel…
003


Fonte: minilua.com

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